Todos os aspectos da vida – familiar, profissional, social e na relação com nós mesmos – precisam de confiança para se desenvolverem. É na coragem e na capacidade de acreditar no outro, nas suas intenções e ações que se estabelecem os espaços do possível, das nossas realizações.
Ao mesmo tempo, somos condicionados para sobreviver em mundo altamente competitivo, onde a desconfiança dá as cartas. Lidar com essa contradição vai depender muito de cada pessoa, do que ela tem como valores de vida e em quem contextos atua. Não é nada fácil. Filósofos, psicólogos, antropólogos, sociólogos e outros cientistas sociais ocuparam-se ao longo da história em entender e propor soluções para esse impasse humano, demasiado humano.
Confiança é cultura
Exemplos desse esforço intelectual estão nos trabalhos dos pensadores Thomas Hobbes (1588-1679) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Eles tinham visões antagônicas sobre a natureza do homem. Em linhas gerais, o primeiro acreditava que o estado de guerra era a condição primordial, enquanto o segundo acreditava que o estado natural do homem era essencialmente bom. Mas em uma coisa concordavam: somente um contrato comum possibilita uma vida social funcional. Nele estariam contidas regras que permitiriam um sentimento de segurança ao grupo, resolveriam conflitos e puniriam transgressões. Ou seja, é necessário um acordo com condições objetivas para estabelecer algum grau de confiança coletiva.
Para as empresas, a confiança é proporcional ao sucesso e, definitivamente, um dos seus ativos mais importantes. Ela é construída a longo prazo e requer investimento massivo. Com as tecnologias comunicacionais onipresentes é difícil atuar em um nível apenas superficial, sem desenvolver de verdade algum propósito. Qualquer deslize que comprometa a imagem de confiança que o público projeta em uma marca ou produto tem poder de pólvora para abalar seriamente um negócio.
Sem confiança, as lideranças, sejam empresariais, políticas ou comunitárias, simplesmente não existem, são disfuncionais. Não se trata de um conceito meramente subjetivo. Basta ver os diversos e sofisticados índices que quantificam esse sentimento para orientar decisões sobre investimento, mapear a qualidade de vida, medir o clima social, o humor e o otimismo.
Artigo recente publicado na BBC Brasil sobre trabalho remoto mostra a Finlândia como referência no modelo exatamente por conta da cultura de confiança profundamente enraizada no país. Para explicar, cita um estudo do Eurobarometer que colocou os finlandeses em primeiro lugar no ranking europeu da confiança. O texto ressalta que isso não é um fenômeno recente, mas presente há décadas na cultura de lá.
Voltar atrás não dá mais
No atual estado de fragilidade e reconfiguração das coisas, com relações virtuais cada vez mais presentes, a importância de confiar atingiu um grau ainda mais elevado. Aumentou muito o tempo e as ocasiões em que trabalhamos, compramos, celebramos, nos entretemos e mantemos contato com quem amamos por meio de uma tela conectada. Fomos obrigados a confiar estando longe uns dos outros, cada um em seu próprio e controlado ambiente.
Logo esse comportamento não será tão compulsório, mas muitas empresas, por exemplo, já decidiram adotar o home office como padrão e não exceção. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) estima que 22,7% das profissões no Brasil poderão adotar definitivamente o trabalho remoto, o que significa mais de 20 milhões de profissionais nesse modelo.
É inevitável. Para sairmos de uma crise tão profunda precisamos confiar nos nossos sentimentos mais íntimos de renovação e descoberta, na ética das nossas ações. Isso se faz com vontade, coragem e atitude. Qualquer cenário sem esses elementos parece pouco produtivo e certamente frustrante.
Por Fellipe Freitas para o blog Viviane da Mata.
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